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Telemonitorização DPOC

Rui Nêveda, Médico Pneumologista Centro Hospitalar do Alto Minho

1. De que forma os Sistemas de Informação (SI) da Saúde têm contribuído para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)?
A DPOC é uma doença crónica respiratória, mas cada vez mais assume-se como uma doença multissistémica em que as comorbilidades assumem um papel de relevo, traduzindo-se numa morbilidade e mortalidade crescente só ultrapassada pelas doenças cardiovasculares.
As agudizações, maioritariamente de causa infeciosa e mais frequentes no estádio avançado da doença, contribuem para o aumento do número de episódios de urgência e de internamentos hospitalares com enormes custos familiares, sociais e económicos, refletindo-se negativamente na qualidade de vida do doente e família envolvente.
A progressão da doença contribui também para uma menor tolerância ao esforço do doente o que leva a um afastamento progressivo da sua atividade normal, do afastamento dos amigos e família entrando numa espiral negativa com depressão e isolamento.
Os Sistemas de Informação (SI) da Saúde podem contribuir para uma melhoria da qualidade de vida destes doentes, intervindo atempadamente e no domicílio do doente, que é o seu habitat natural.

2.No caso da telemonitorização, que impacto tem na rotina diária dos doentes?
A Telemonitorização, também referida como monitorização remota de doentes, permite, quando utilizada uma plataforma tecnológica profissional especializada, o acesso de uma forma adequada a diversas tecnologias de mediação de parâmetros vitais e de comunicação, monitorizando os estados fisiológicos e condições de saúde dos doentes, a partir de casa ou mesmo em movimento.
Esta prestação de serviço pretende melhorar a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos, fazendo com que se sintam acompanhados de forma contínua na sua doença, reduzir o nº de agudizações (e idas SU, internamentos…), seguir de forma proativa e contínua as flutuações das condições de cada doente, permitindo, assim, uma reação atempada que adie o mais possível o agravamento da doença.

3. Como foi projetado o modelo organizacional da telemonitorização no Hospital de Viana do Castelo?
A Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM) participa num Projeto-piloto de Telemonitorização, financiado pela ACSS, que envolve 15 doentes instáveis com DPOC (pelo menos 2 agudizações no último ano) desde o início de 2014.
Sendo Diretor do Serviço de Pneumologia da ULSAM, fui nomeado pelo Conselho de Administração para responsável do Projeto, no sentido de garantir um acompanhamento possível nas 24 horas dos doentes em Programa.
Durante o período de trabalho envolvi a equipa de enfermagem da Unidade de Cuidados Intensivos da ULSAM, coordenada pelo Enfermeiro João Silva, bem como a parte técnica, envolvida na equipa com um papel importante em termos de ligação aos doentes no terreno, quer no que concerne à formação dos doentes e cuidadores, quer na resolução dos problemas técnicos pontuais.
Os dispositivos de monitorização, disponibilizados aos doentes com tecnologia sem fios, e a plataforma de monitorização permitem a transmissão automática, com intervenção mínima dos doentes ou cuidadores, dos dados biométricos necessários para seguimento dos doentes.
A evolução dos dados dos doentes é seguida na central de monitorização da plataforma no Hospital, pela equipa designada para acompanhamento dos mesmos, permitindo uma intervenção atempada no controlo de situações e antecipando agudizações.
Foi definido pela equipa clínica um algoritmo adaptado a cada doente, com alertas bem definidos, permitindo intervenção em tempo real, pela equipa de enfermagem na primeira linha, com apoio médico na retaguarda. Esta intervenção é feita sempre pelo contacto telefónico e, sempre que possível, com o doente.

4.Quais as maiores dificuldades na gestão da mudança durante o processo de implementação?
O processo de implementação do Projeto e a sua manutenção até ao momento exige um esforço acrescido da equipa clínica, médica e de enfermagem, pois a sua intervenção decorre no período laboral sem prejuízo do mesmo.

5.De que forma decorreu a aceitação do projeto, quer pelos doentes, quer pelos cuidadores informais?
Não havendo uma adequada literacia em saúde em Portugal, e no Alto Minho em particular, e destacando a escolaridade mínima nos nossos doentes, houve alguma dificuldade inicial de adaptação que foi ultrapassada pelo desempenho da equipa multidisciplinar do Projeto que criou condições adequadas de confiança com o doente e família /cuidadores.
A adaptação da tecnologia ao doente, e não o inverso, bem como a relação humana estabelecida entre ambas as partes facilitou todo o processo de integração havendo até hoje uma adesão de 100% e contactos frequentes dos doentes com a equipa clínica nomeadamente de enfermagem.

6. Até à data, quantos pacientes já beneficiaram da telemonitorização?
Qual o balanço feito deste projeto?
Desde abril de 2014 até à data, 24 doentes com DPOC já beneficiaram do Programa de Telemonitorização na ULSAM. O balanço é extremamente positivo traduzindo-se, ao fim de 12 meses, numa redução de idas ao Serviço de Urgência de cerca de 50% e numa redução dos internamentos superior a 70%.
A intervenção médica tem sido menor do que previsto, tendo a equipa de enfermagem resolvido a maior parte das intervenções necessárias.
Também o grau de satisfação dos doentes e famílias é bastante positivo sendo que, 94,6% consideraram que o projeto beneficiou a família, 94,6% consideraram que o Projeto diminuiu os níveis de ansiedade relativamente à doença e 96,4% consideraram que o projeto ajudou a lidar melhor com os sintomas e a compreender a doença.
(questionários elaborados pelo Ex-Grupo de Trabalho de Telemedicina para o efeito).

7. Que recomendações daria a profissionais interessados em iniciar a telemonitorização?
Conhecer muito bem as caraterísticas e condições de vida dos doentes alvo, selecionando, obviamente com cuidado, a solução tecnológica e perceber a importância que esta pode ter na ajuda do doente com DPOC.
A tecnologia deve sempre ser adaptada ao doente e não o inverso, e o sucesso passa sempre pelo trabalho de equipa, devendo o clínico ter o papel principal sempre com a colaboração da equipa técnica. A empatia criada com o doente e com o cuidador é fundamental.

8. O sistema de teleconsultas está a crescer no Serviço Nacional de Saúde. Considera uma tendência irreversível?
Penso que sim, mas tenho algumas reservas na utilização da teleconsulta em doenças respiratórias. Já sobre a Telemonitorização com as ferramentas adequadas não tenho qualquer dúvida, mas tem que ser racional e ponderada e não esquecer a importância que deve prevalecer na relação médico /enfermeiro/técnico/doente /cuidador.

9. Quais os maiores ganhos da Telesaúde para o SNS? E que futuro prevê para a telemedicina em Portugal?
Sou cada vez mais apologista da intervenção no doente crónico, nomeadamente no doente com DPOC com as suas comorbilidades, no domicílio (seu habitat natural) nas suas várias facetas, quer preventivas, quer terapêuticas.
A teleconsulta com adequada interação com os médicos de Medicina Geral e Familiar, suportada na Telemonitorização profissional, no domicílio, pode permitir uma intervenção mais precoce e eficaz no doente com DPOC, evitando a sua ida ao Hospital, quer em agudização, quer para Consulta especializada de rotina, com desconforto e encargos acrescidos para o doente e família, sem resultados positivos.
A economia de recursos financeiros e de pessoal, como se comprovou, é uma mais-valia.

10.Enquanto utilizador dos SI da Saúde, que áreas de atuação considera prioritárias?
Tratando-se de um processo novo que revolucionará a abordagem do doente crónico, em particular o doente com DPOC, deverá haver uma linha de financiamento vertical, no sentido de nos ajudar a passar sem percalços para o novo paradigma de intervenção, numa patologia crónica tão prevalente como é a DPOC, uma vez que não é possível, administrativamente, transferir custos fixos de um lado para o outro.

 

Reportagem à SIC em 15/2/2017